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terça-feira, 1 de novembro de 2016

Uma controvérsia em detalhes

Uma controvérsia em detalhes

Publicamos recentemente em nosso blog um artigo escrito por Alexandre Aksakof em 1875 onde ele traz registros históricos importantes além de fazer sérias acusações contra Allan Kardec. Ele está escrito originalmente em inglês e pode ser conferido aqui.

Como o conteúdo do texto é muito forte então nos certificamos de sua autenticidade e procedência. Entre as provas coletadas está a cópia digitalizada do periódico onde o artigo foi publicado (fornecida pelo editor Paul Gaunt da publicação online Psypioneer).

Também recebemos uma cópia da versão traduzida para o Francês e publicada no periódico La Lumière em 1899; esta foi fornecida pelo professor John Monroe, autor do livro Laboratories of Faith: Mesmerism, Spiritism, and Occultism in Modern France.

Antes de apresentar a nossa tradução destacamos alguns pontos importantes de contextualização para a compreensão do artigo. Após a tradução colocaremos nossas observações e comentários.

Contextualizando...

O periódico
O artigo foi publicado no influente semanário britânico The Spiritualist (ou The Spiritualist Newspaper) que permaneceu em circulação de 1869 a 1881. Era editado por W. H. Harrison e fazia parte da British National Association of Spiritualists que mais tarde se tornou a Society for Psychical Research.

O autor
O pesquisador russo Alexandre Aksakof, na época com 43 anos, formado a mais de 20, já estava consagrado como um especialista em fenômenos psíquicos tendo traduzido obras de Emmanuel Swedenborg e Andrew Jackson Davis. Era respeitado por sua posição de conselheiro imperial russo. Estava há pouco mais de um ano como editor do periódico alemão Psychische Studien. Mas, somente mais tarde, 18 anos depois, ele viria a publicar a sua mais famosa obra Animismo e Espiritismo.

A época
Já haviam se passado mais de 6 anos da morte de Allan Kardec quando o artigo foi publicado. Neste período a direção do Espiritismo teve como chefe Pierre-Gaëtan Leymarie novo responsável pela edição da Revista Espírita e pela Livraria Espírita. Há dois meses da publicação do artigo Leymarie tinha acabado de ser julgado e condenado por conivência em fraude na obtenção de fotografias de materializações de espíritos no conhecido Processo dos Espíritas.

Uma das fotografias que constam no Processo dos Espíritas

A tradução do Livro
O Livro dos Espíritos tinha acabado de ser publicado na língua inglesa com tradução da Anna Blackwell, amiga do casal Rivail. Até então esta obra já tinha sido traduzida a mais de uma década para o alemão e para o espanhol. E o opúsculo O Espiritismo em sua Expressão mais Simples em alemão, polonês, português, grego, italiano, e espanhol, mas menos em inglês.

Correntes espiritualistas
O Espiritualismo era a corrente espiritualista dominante na Inglaterra e via, a princípio, o Espiritismo como sua concorrente. No início do Espiritismo a França também conviveu com o Espiritualismo através do movimento liderado por Z. J. Piérart com seu periódico La Revue Spiritualiste cuja tiragem teve início em 1858, mesmo ano da Revue Spirite. Mas, este movimento ficou a margem na França enquanto o Espiritismo crescia.

O artigo traduzido...

Pesquisas sobre a Origem Histórica das Especulações Reencarnacionistas dos Espiritualistas Franceses

Pelo Exmo. senhor Alexandre Aksakof, conselheiro imperial russo e cavaleiro da Ordem de São Stanislas

Em vista da recente publicação das traduções no idioma Inglês das obras de Allan Kardec, cujo volume principal, O Livro dos Espíritos, já está esgotado, sinto o dever de colocar diante do público inglês o resultado de minhas pesquisas direcionadas à origem do dogma da reencarnação. Quando o "Espiritismo", recém batizado com esse nome, e encorpado na forma de uma doutrina criada por Kardec, começou a se espalhar pela França, nada me surpreendeu mais do que a divergência desta doutrina para a do "Espiritualismo", com relação ao ponto da reencarnação. Essa divergência era mais estranha porque as fontes de afirmações contraditórias sustentam ser as mesmas, ou seja, o mundo espiritual e as comunicações dadas pelos espíritos. Como o Espiritismo nasceu em 1856 com a publicação do Livro dos Espíritos, é claro que para resolver este enigma seria necessário começar com a origem histórica deste livro. É notável que em nenhuma parte, seja neste volume ou em qualquer um dos outros, Kardec não dá sobre este assunto o menor detalhe. E por que isso? o ponto essencial em qualquer crítica séria está em saber, antes de mais nada, como tal livro veio a surgir?

Como eu não vivo em Paris, era difícil para mim obter as informações necessárias; tudo o que eu poderia saber era que uma certa sonâmbula, conhecida pelo nome de Celina Japhet, havia contribuído largamente para o trabalho, mas que tinha morrido já a algum tempo. Durante a minha estadia em Paris em 1873, disse a um amigo Espiritualista sobre o meu arrependimento em não ter encontrado esta sonâmbula ainda em vida, ao que ele respondeu que ele também tinha ouvido dizer que ela estava morta, mas duvidava que esta informação fosse verdadeira; aliás, ele tinha motivos para supor que isto era apenas um boato espalhado pelos Espíritas, e que seria melhor se eu fizesse uma investigação pessoal. Ele me deu um endereço antigo da senhora Japhet, e quão grande foi minha surpresa e alegria em encontrá-la em perfeita saúde! Quando eu lhe disse da minha surpresa, ela respondeu que não era novidade para ela, pois os espíritas estavam realmente fazendo-a passar por uma pessoa morta. Aqui está a essência da informação que ela me forneceu.

A senhora Celina Bequet foi uma sonâmbula natural desde seus primeiros anos. Aos dezesseis ou dezessete anos de idade, enquanto ainda residia com os seus pais em Paris, ela teria sido mesmerizada pela primeira vez por Ricard, e três vezes ao todo. Em 1841 ela estava vivendo nas províncias, quando foi atacada por uma grave doença; tendo perdido o movimento das pernas, ela ficou de cama por vinte e sete meses; mais tarde, tendo perdido toda a esperança de alívio por meio da medicina, ela foi mesmerizada e posta para dormir por seu irmão; então, prescritos os recursos necessários, e após o tratamento durante seis semanas, ela saiu da cama e pode caminhar com o auxílio de muletas, que ela era obrigada a usar durante onze meses. Finalmente, em 1843, já tinha recuperado totalmente a sua saúde.

Em 1845 ela foi para Paris em busca do senhor Ricard, e acabou conhecendo o senhor Roustan na casa de senhor Millet, um magnetizador. Ela tomou, então, por motivos familiares, o nome de Japhet, e tornou-se uma sonâmbula profissional sob o controle do senhor Roustan, e permaneceu nessa posição até meados de 1848. Ela deu, sob seu novo nome, conselhos médicos, sob a orientação espiritual de seu avô, que tinha sido um médico, e também de Hahnemann e de Mesmer, de quem ela recebeu um grande número de comunicações. Dessa forma, portanto, em 1846 a doutrina da reencarnação foi dada a ela pelos espíritos de seu avô, Santa Teresa e outros. (Como os poderes sonambúlicos da senhora Japhet foram desenvolvidos sob a influência magnética do senhor Roustan, é interessante observar aqui que ele próprio acreditava na pluralidade das existências terrestres. Veja Sanctuaire du Spiritualisme de Cahagnet - Paris, 1850 - página 164: datado em 24 de agosto de 1848.)

Em 1849, senhora d'Abnour, em seu retorno da América, quis formar um grupo para estudar os fenômenos espirituais, de que tinha sido recentemente uma testemunha. Para este propósito, ela convidou o senhor de Guldenstubbe, a pessoa por quem o senhor Roustan e Celina Japhet foram convidados a se tornarem membros de seu círculo espírita. (Veja a edição alemã de Pneumatologie Positive do Barão de Guldenstubbe-Stuttgart, 1870 - página 87). Este círculo também teve a filiação de Abbé Chatel e das três Demoiselles Bauvrais, e consistia, ao todo, de nove pessoas. Este círculo se reunia uma vez por semana na casa da senhora Japhet, Rue des Martyrs, 46; mais tarde, quase até a época da guerra de 1870, ele se reunia duas vezes por semana. Em 1855, o círculo era composto das seguintes pessoas: senhor Tierry, senhor Taillandier, senhor Tillman, senhor Ramón de la Sagia (já morto), os senhores Sardou (pai e filho), senhora Japhet, e senhor Roustan, que continuou como membro da mesma até meados de 1864. Eles começaram fazendo uma corrente, a moda americana, sob a forma de uma ferradura, rodeando a senhora Celina, e obtiveram fenômenos espirituais mais ou menos notáveis; mas rapidamente a senhora Celina desenvolveu a psicografia, e foi através desse canal que a maior parte das comunicações foram obtidas.

Em 1856, ela conheceu o senhor Denizard Rivail, apresentado pelo senhor Victorien Sardou. Ele correlacionou os materiais por uma série de perguntas, organizou o conjunto de forma sistematizada, e publicou O Livro dos Espíritos, sem nunca ter mencionado o nome da senhora C. Japhet, embora três quartos deste livro tenham sido dados por meio de sua mediunidade. O restante foi obtido a partir de comunicações através da senhora Bodin, que pertencia a um outro círculo espírita. Ela não é mencionada senão na última página do primeiro número da Revista Espírita, onde, em consequência do número de reprovações que foram dirigidas a ele, faz, então, uma breve menção a ela. Como ele também estava vinculado a um jornal importante, o L'Univers, ele publicou seu livro com os nomes que ele teria tido em suas duas existências anteriores. Um destes nomes era Allan - revelado a ele pela senhora Japhet - e o outro nome, Kardec, foi revelado a ele pelo médium Roze.

Após a publicação do Livro dos Espíritos, que Kardec nem sequer presenteou a senhora Japhet com um exemplar, ele deixou o círculo e organizou um outro em sua própria casa, sendo o senhor Roze o médium. Assim que ele saiu, ele se apoderou de um conjunto de manuscritos que tinha levado da casa da senhora Japhet, e se deu o direito de um editor por nunca tê-lo devolvido. Para os inúmeros pedidos de devolução que foram feitos a ele, ele contentou-se em responder: "Deixe-a ir na lei contra mim". Estes manuscritos foram, em certa medida, útil para a elaboração do Livro dos Médiuns, cujo conteúdo, como diz a senhora Japhet, havia sido obtido através das comunicações mediúnicas.

Seria essencial para completar este artigo rever as idéias sobre a preexistência e sobre a reencarnação que estiveram fortemente em voga na França, pouco antes de 1850. Um resumo destas pode ser encontrado na obra do senhor Pezzani, Pluralidade das Existências. As obras de Cahagnet também devem ser consultadas. Como agora estou longe da minha biblioteca, é impossível para mim dar as referências exatas.

Além do exposto, detalhes complementares sobre a origem de O Livro dos Espíritos, e os diferentes pontos de conexão, podem e devem ser obtidos a partir de testemunhas vivas para lançar luz sobre a concepção e o nascimento deste livro, como a senhora Japhet, senhora de Guldenstubbe, senhor Sardou, e o senhor Taillandier. Este último continua, até o presente momento, trabalhando com a senhora Japhet como uma médium; ela ainda está na posse de seus poderes sonambúlicos, e continua dando consultas. Ela se auto sugestiona para dormir por meio de objetos que tinham sido magnetizados pelo senhor Roustan. Penso que é um dever aproveitar esta ocasião para testemunhar a excelência de sua lucidez. Eu perguntei a ela sobre mim, e ela me deu a informação exata tanto de uma doença localizada quanto de meu estado geral de saúde. Agora, não é surpreendente que esta pessoa notável, que tanto fez para o Espiritismo francês, esteja vivendo inteiramente desconhecida por vinte anos, e nenhuma notícia ou observação tenha sido feita sobre ela? Ao invés de ser o centro das atenções do público, ela é totalmente ignorada; na verdade, eles a enterraram viva! Esperemos que uma devida reparação seja feita um dia. O "Espiritualismo" pode, neste caso, oferecer um nobre exemplo para o "Espiritismo". *

Vamos voltar à questão da reencarnação. Deixo isso para os críticos ingleses tirarem as suas conclusões a partir dos fatos que desvendei por meio das minhas pesquisas, por mais incompletas que sejam; Não vou lançar mais do que as seguintes idéias: a de que a propagação desta doutrina por Kardec era uma questão de forte predileção é fato e desde o início a reencarnação não tem sido apresentada como um objeto de estudo, mas como um dogma. Para sustentar que ele sempre teve o recurso de médiuns escreventes, que, como é sabido, se deixam levar tão facilmente pela influência psicológica das idéias preconcebidas; e o Espiritismo engendrou isto em profusão; e que através de médiuns de efeitos físicos as comunicações não são apenas mais objetivas, mas sempre contrárias à doutrina da reencarnação. Kardec adotou o plano de sempre depreciar esse tipo de mediunidade, alegando como pretexto a sua inferioridade moral. Assim, o método experimental é completamente desconhecido pelo Espiritismo; por vinte anos, não fez o menor intrínseco progresso, e se manteve na completa ignorância quanto ao Espiritualismo anglo-americano! Os poucos médiuns franceses de efeitos físicos que desenvolveram seus poderes, apesar de Kardec, nunca foram mencionados por ele na Revue; eles permanecem quase desconhecidos para os espíritas, e simplesmente porque seus espíritos não apóiam a doutrina da reencarnação! Por exemplo, Camille Bredif, um muito bom médium de efeitos físicos, ficou famoso apenas em conseqüência de sua visita a São Petersburgo. Não me lembro de ter visto alguma vez na Revue Spirite a menor atenção a ele, menos ainda qualquer descrição das manifestações produzidas em sua presença. Conhecendo a reputação do senhor Home, Kardec fez várias propostas para trazê-lo para seu lado; fez duas entrevistas com ele para esta finalidade, mas como o senhor Home lhe disse que jamais os espíritos que se comunicaram através dele, aprovaram a idéia da reencarnação, daí em diante ele o ignorou, desvalorizando, assim, as manifestações que se produziam em sua presença. Tenho sobre este assunto uma carta do senhor Home, embora neste momento não está ao meu alcance.

Concluindo, é mesmo necessário ressaltar que tudo o que eu tenho aqui afirmado não afeta a questão da reencarnação, considerando apenas os seus próprios méritos, mas apenas diz respeito às causas da sua origem e da sua propagação como Espiritismo.

Chateau de Krotofka, Rússia, 24 de julho de 1875

[* O endereço da senhora Japhet é Paris, Rue des Enfants Rouges, G.]

Nossos Comentários...

A divergência
O autor do artigo usa uma linguagem bem articulada embora um tanto irônica e bastante descompromissada. Traz informações interessantes e importantes sob o ponto de vista da história do Espiritismo. A principal delas é a que o próprio autor destaca logo no início do artigo: a divergência entre Espiritismo e Espiritualismo com relação a questão da reencarnação. Embora isto não seja novidade para os estudiosos o texto revela que esta divergência perdurou por longos anos e foi responsável por duros embates. E Aksakof tem razão de se espantar com tal divergência justamente porque a comprovação da reencarnação era feita pelas próprias comunicações dos espíritos. Mas, na Inglaterra, em geral, não havia esta comprovação. Por outro lado, Kardec já tinha tratado desta divergência em artigo publicado na Revista Espírita. Ainda que sempre respeitoso a opinião alheia ele atribuiu esta divergência a dificuldade de combater preconceitos sugerindo que os americanos e ingleses não estavam preparados para receber tal ensinamento.

Os detalhes
Aksakof comete um pequeno equívoco ao afirmar que o Livro dos Espíritos foi publicado pela primeira vez em 1856; na verdade, foi em 1857. Este equívoco faz até sentido se observamos a crítica que ele faz quanto aos detalhes da construção desta obra. Ou seja, era exatamente a falta de informações que o levou a pesquisar mais sobre o assunto. Em parte ele tem razão porque Kardec deixou mesmo poucos detalhes sobre o processo de elaboração do Livro. Por outro lado, há alguns textos explicando de forma simplificada como tudo se deu (por exemplo, primeiro número da Revista Espírita e introdução do Evangelho Segundo o Espiritismo). De qualquer forma, somente 15 anos mais tarde em 1890 os responsáveis pela herança de Kardec tornaram públicas valiosas anotações kardequianas compilando-as em Obras Póstumas.

Os direitos autorais
Nessa estória toda que a médium Japhet contou dá pelo menos pra tirar uma conclusão: a de que o interesse falava tão alto naquela época quanto hoje. A despeito de ser verdadeira ou não a estória é notório que houve um desentendimento entre ela e Kardec. Tentando olhar sob os diferentes pontos de vista é possível perceber que havia um interesse na publicação do Livro. Aparentemente Japhet não ficou satisfeita por não ter participado formalmente da sua autoria.

De acordo com a entrevista, Japhet vivia da mediunidade, ganhava por isso, e seria uma das pioneiras na obtenção de comunicações dos espíritos. E estas estariam sendo arquivadas para uma possível publicação. Ela acusa Kardec de ter se apoderado destas comunicações. Seria impossível decidir se esta acusação é procedente ou não. No entanto, ela revela ou vem confirmar a informação trazida pelo biógrafo Henri Sausse em 1896 de que Kardec recebeu 50 cadernos dos amigos, a maioria deles do círculo do senhor Roustan da qual fazia parte Japhet, a sua principal médium.

"A estas informações, colhidas nas Obras Póstumas de Allan Kardec, convém acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas manifestações e absorvido por outras preocupações, esteve a ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito se não fossem as instantes solicitações dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedeman-Manthèse, Sardou, pai e filho, e Diddier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinqüenta cadernos de comunicações diversas, que não conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos -, os arranjasse. Este trabalho era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações; e o sábio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e absorvente, em razão de outros trabalhos."

Supondo estar correta esta hipótese do material mediúnico ter sido fornecido a Kardec então faz sentido a informação de que três quartos do Livro teriam vindo da mediunidade de Japhet. Embora Kardec tenha declarado que praticamente todo a primeira edição deveu-se a mediunidade das meninas Baudin ele próprio, em Obras Póstumas, revela que o círculo do qual faziam parte não era dado a questões sérias. E, sendo razoável, é difícil de acreditar que com uma ou duas sessões semanais em pouco mais de um ano poderia ser suficiente para produzir todo o conteúdo do Livro dos Espíritos.

Hahnemann
De acordo com a entrevista, a médium tinha orientação espiritual de Hahnemann. Na primeira edição do Livro dos Espíritos Kardec o menciona por algumas vezes e o coloca na lista daqueles responsáveis pelo seu conteúdo. Curiosamente, Hahnemann não aparece mais na segunda edição, em 1860. É claro que pode ser apenas uma coincidência, mas, de qualquer forma, não deve ter agradado a senhora Japhet.

Precursores
Aksakof aparentemente se espanta com a informação de que alguns franceses já eram partidários da hipótese reencarnacionista antes do nascimento do Espiritismo. Ele não deveria se espantar porque o próprio Kardec já declarara em artigos na Revista Espírita que a idéia da reencarnação não era nova e teriam precursores tanto antigos quanto modernos.

Os endereços
Há um dado interessante nesta entrevista sobre o endereço da casa da senhora Japhet. Ela morava na mesma Rue des Martyrs onde Kardec morou de 1856 até 1860; ela no número 46, e a poucos metros Kardec no número 8. A casa dos Baudin também era bem perto (Rue Lamartine) como se vê no mapa abaixo. A casa do senhor Roustan ficava um pouco mais longe (Rue Tiquetonne, 14). E a Revista Espírita ficava na Rue Sainte-Anne, 59 onde Kardec passou a morar definitivamente após 1860.


O pseudônimo
Aksakof faz uma acusação gratuita sobre o fato de Rivail ter assinado o Livro dos Espíritos com o pseudônimo Allan Kardec. Segundo ele, Kardec não poderia se comprometer com a publicação do Livro pelo fato de estar vinculado a um jornal católico ultra-conservador L'Univers. Há pesquisadores que dizem que, de fato, Kardec temia algum tipo de perseguição, mas não por causa deste vínculo empregatício com o referido jornal. Tudo isso é especulação! Para mais detalhes sobre a origem do pseudônimo Allan Kardec veja nosso post As reencarnações de Kardec.

André Pezzani
Foi publicada recentemente uma tradução da obra Pluralidade das Existências da Almade André Pezzani citada por Aksakof e recomendada pelo próprio Allan Kardec.

A ruptura
Aparentemente, houve mesmo uma ruptura entre Kardec e as pessoas ligadas ao círculo do senhor Roustan uma vez que estas não são mencionadas na Revista Espírita. Se estivesse tudo bem entre eles seria natural que participassem da Sociedade e, por consequência, da Revista já que teriam continuado com as sessões. Por exemplo, de acordo com André Moreil o senhor Tiedman, um dos componentes do círculo do Roustan, teria se recusado a patrocinar o lançamento da Revista Espírita. É importante lembrar também que Kardec era muito avesso a cobrança por serviços mediúnicos como fazia Japhet. Talvez aí esteja o principal motivo desta ruptura.

O dogma
Aksakof diz que Kardec tratava a questão da reencarnação como um dogma, mas não é bem assim. De fato, Kardec tinha uma predileção pela hipótese reencarnacionista, porém ela vinha de longa análise e constante estudo. A reencarnação para Kardec era um objeto de estudo mais filosófico do que científico. E se tivesse que esperar pela concordância universal dos espíritos então não poderia mesmo atestar tal hipótese já que no Espiritualismo britânico tal ensinamento não era obtido.

O animismo
Já neste artigo é possível observar que Aksakof já identificava possíveis influências psicológicas nas comunicações recebidas sobretudo nas psicografias. Mais tarde ele viria a desenvolver melhor estas influências na sua famosa obra Animismo e Espiritismo.

Mediunidade de efeitos físicos
A acusação de que Kardec desvalorizava a mediunidade de efeitos físicos não é totalmente procedente. Kardec sempre reconheceu o valor deste tipo de mediunidade, mas a colocava como um passo anterior a mediunidade de efeitos "inteligentes". Ou seja, o conhecimento espírita só foi possível de ser obtido por causa das comunicações "inteligentes", ou seja, pelos diálogos com os espíritos.

Kardec versus Home
Aksakof faz uma importante revelação sobre uma carta em que D. D. Home teria rompido com Kardec por causa da sua não aderência a hipótese reencarnacionista. Provavelmente, esta estaria reproduzida na obra de Daniel Dunglas Home chamada Lights and Shadows of Spiritualism (página 316, segunda edição de 1878) e teria sido publicada pela primeira vez no periódico Medium em 20 de agosto de 1875 (uma semana depois da publicação do artigo do Aksakof):

"Meu caro Sr. Burns,
Ainda que doente, e incapacitado para escrever cartas, é meu dever fazer um protesto contra tal declaração como esta feita por C__ W__, publicada no Medium em 13 de agosto. Como espiritualista, é um dever dizer que eu nunca, em todo o curso da minha experiência, encontrei um espírito ensinando a antiga doutrina de Pitágoras, recentemente defendida por Allan Kardec, que, a mais de vinte anos atrás, tentou me converter à sua maneira de pensar (digo isto assim mesmo, pois ele me disse que era 'por um cuidadoso estudo da filosofia de Pitágoras, que havia sido induzido a acreditar da forma como acreditou'). (...) Atenciosamente,
D. D. Home"

Pesquisando na Revista Espírita conseguimos alguns dados interessantes. No primeiro ano, 1858, Kardec se mostrava muito entusiasmado com Home e, assim, publicou vários artigos sobre ele e sua mediunidade como, por exemplo, O Senhor Home e Teoria das Manifestações Físicas. Veja abaixo o número de artigos com referência a Home por ano de publicação.


Nos anos seguintes, 1859 e 1860, Kardec ainda se mostra entusiasmado pelos "poderes" de Home. Em 1861 há um breve artigo um tanto enigmático Variedades - Um boato. Kardec se mostra mesmo irritado... vejam o início dele:

Um jornal, não sabemos de que país, publicou há algum tempo, e outros o repetiram, ao que parece, que uma conferência solene deveria ocorrer, sobre o Espiritismo, entre os Srs. Home, Marcillet, Squire, Delaage, Sardou, Allan Kardec etc. Aqueles de nossos leitores que poderiam disso ter ouvido falar, são informados de que tudo o que foi impresso, não sendo palavra do Evangelho, fosse mesmo num jornal, é muito simplesmente um boato acomodado em sal muito grosso, no tempero do qual se esqueceu de colocar uma coisa, que é o Espírito. ...

Em 1862 Kardec noticia a morte da esposa de Home e em 1863 novamente Kardec trata de se defender de calúnias em pequena nota em março. Vejam que interessante:

O Sr. Home veio a Paris onde não permaneceu senão poucos dias. Perguntam-nos, de diversas partes, das notícias sobre os  fenômenos extraordinários que teria produzido diante de augustos personagens, e dos quais alguns jornais falaram vagamente. Estas coisas, tendo-se passado na intimidade, não nos cabe revelar o que não tem nenhum caráter oficial, e ainda menos de a isso misturar alguns nomes. Diremos somente que os detratores exploraram essa circunstância, como muitas outras, para tentarem lançar o ridículo sobre o Espiritismo por relatos absurdos, sem respeito nem pelas pessoas, nem pelas coisas. Acrescentaremos que a permanência do Sr. Home em Paris, tão bem quanto a qualidade das casas onde foi recebido, é um desmentido formal dado aos infames caluniadores segundo os quais ele teria sido expulso de Paris, como no tempo, durante uma ausência que fez, fizera-se correr o boato de que estava enfermo em Mazas por causas graves, então que estava tranqüilamente em Nápoles  pela sua saúde. Calúnia! sempre a calúnia! Faz muito tempo que os Espíritos vêm de purgá-la da Terra.

Ainda no ano de 1863 Kardec noticia e analisa o lançamento do mais novo livro de Home: Revelações sobre minha vida sobrenatural. Na análise Kardec se mostra muito pouco entusiasmado com o livro demonstrando a sua predileção pelas comunicações "inteligentes".

Em 1864 Home voltou a ter problemas nas suas viagens, mas dessa vez em Roma de onde foi convidado a se retirar pela polícia. Aparentemente, ele vivia sob acusações de fraude. Talvez, Kardec preferiu a partir daí não ficar muito ligado ao médium Home.

A conclusão
A despeito de todas as acusações, a conclusão de Aksakof é muito prudente. Não vê, em princípio, motivos para descartar a hipótese reencarnacionista porque considera que ela tem seus próprios méritos. Aplausos!
Fonte:http://decodificando-livro-espiritos.blogspot.com.br/2010/03/uma-controversia-em-detalhes.html

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