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sábado, 6 de julho de 2013

Linhas Tortas


Luiz Carlos D. Formiga
Rio de Janeiro


Na MPB (Feira de Mangaio- Sivuca) encontramos o feirante: “arreio de cangalha eu tenho pra vender, quem quer comprar?”
Tinha fumo de rolo, cabresto de cavalo, rabichola e pavio de candeeiro.
Havia também uma vendinha no canto da rua, onde o mangaieiro ia se animar, tomar uma bicada com lambú assado. Naquela hora, lembrava que tinha ainda que xaxar o seu roçado, mas a alpargata de arrasto não o queria levar. Havia um sanfoneiro fazendo floreio pra turma dançar e o ronco do fole sem parar. Difícil resistir! Fácil explicar?
Ouvimos mas não compreendemos. Há ruído na comunicação. Como explicá-los de modo geral?
Vamos ao livro “Me vi te vendo”. Diz o autor que numa mesma cena de telenovela observamos que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento. Na conversação dá-se o mesmo. Rara, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo, como aconteceu com Helen Keller que era deficiente visual.
(...) Caminhamos até a fonte, atraídas pela fragrância das madressilvas. Alguém estava pegando água e minha professora colocou a minha mão sob o jato. Enquanto a água fresca jorrava em uma das mãos, ela começou a soletrar a palavra água na outra. Primeiro lentamente, depois rapidamente. Fiquei ali parada, toda a minha atenção concentrada nos movimentos dos dedos dela. Subitamente adquiri uma consciência não muito clara, como de algo esquecido - uma excitação de retorno do pensamento; e de alguma forma o mistério da linguagem revelou-se para mim. Eu sabia então que á-g-u-a significava aquela coisa fresca e deliciosa que fluía pela minha mão. Aquela palavra viva despertou-me a alma, deu-lhe luz, esperança, alegria, libertou-a! Ainda havia barreiras, é verdade, porém barreiras que podiam ser derrubadas com o tempo. (#)
 Quando o rádio, o telefone ou a mente, estão com ruído, o receptor não ouve o que o emissor fala. Ele ouve o que o outro não está dizendo; ouve o que quer ouvir.
O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que se acostumou a ouvir.
Numa discussão não ouvem, eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida. Em ocasiões diversas o receptor ouve o que gostaria de ouvir que o outro dissesse ou ouve o que está sentindo. Pode ouvir também, não o que o outro fala, mas o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando ou retira da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem. Pode também transformar o que a outra está falando em objeto de concordância ou discordância. A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ela ouve o que confirma ou rejeita o seu próprio pensamento.
Há momentos em que a pessoa ouve o que, por interesse pessoal, “deve ouvir”; fala “o que deve falar”, como em reuniões autocráticas com ministros ou com estudantes ligados a “União Nacional”, privatizada pelo poder, comprada com dinheiro público.
A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
Em “Me vi te vendo” percebemos como é difícil limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
Na época em que surgiu o vírus HIV achei que a profissão mais difícil era a de Microbiologista. Depois a de Psicólogo. Diante de uma questão sobre estupro, achei que era a de pesquisador em Ciências Jurídicas. A duvida era: deve-se aceitar o aborto para “salvar a vida” da gestante HIV- soro convertida, grávida pelo estupro?
Posteriormente tive pena do professor de Ética. Hoje tenho piedade de qualquer professor que “só pensa naquilo”, o domínio cognitivo, e não quer “ouvir” as outras inteligências em geral e em particular a “inteligência espiritual” (QS). Ela aparece de forma explícita nos “12 Passos”  do AA. (*)
O autor de “Me vi te vendo” afirma ainda que pode haver conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os polos se ouvem, não, é claro, no sentido material de escutar, mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo. Este texto, por si só, é um exercício incentivador, embora indique dois outros. Escolha abaixo o assunto que possa motivá-lo e continue “ouvindo”.
A “nova geração” é um enigma para você? (1)
Aponte um grande desafio para o professor universitário, no início do terceiro milênio? (2)
Lembre-se que o “mecanismo de defesa” introduz ensurdecedor ruído na plena “audiência”. As pessoas sentem pavor inconsciente de se perderem em si mesmas. Sentem medo da necessidade de retificação dos próprios pontos e aí livram-se do novo que as apavora.
Existe incompatibilidade entre espiritualidade e universidade? (3)
Difícil para governantes e políticos ouvirem o que dizem as ruas?
Ouvir é desafio de abertura interior. Mas abertura não é comportamento de “chefe”, poder neurótico (**), mas de líder (postura de parceiro).
O que é a morte? A alma é imortal? Reencarnação existe? (4)
Difícil mesmo é entender Deus. E, Ele ainda escreve certo por linhas tortas!

Escolha o assunto: “você ouve o que o outro fala?
(1)
(2)
(3)
(4)

(#) Rede Saci. O Poder das palavras.

(*)  12 Passos do AA
(**) Poder Neurótico)


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