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segunda-feira, 9 de março de 2009

entrevista João Xavier de Almeida de Braga Portugal


JORNAL DE ESPIRITISMO
entrevista João Xavier de Almeida (Nº 32, Janº-Fevº 2009, Braga, Portugal)

JDE – Há quanto tempo conhece o Espiritismo?
JXA - O meu primeiro contacto com fenómenos espíritas (não com a Doutrina) data de 1960, junto duma médium muito desenvolvida e pouco disciplinada, que se afastara dum grupo de Racionalismo Cristão.
JDE – Como aconteceu esse contacto?
JXA - Resultou de descrições e muitas perguntas que me fez minha irmã mais velha, que acabava de conhecer aquela médium. Eu nunca ouvira falar de médiuns e creio que até desconhecia esse termo; tomado de imensa curiosidade, não tardei em contactá-la.
JDE – Teve uma ligação longa com a FEP. Pode descrevê-la sumariamente?
JXA – Fiz parte, em 1984, duma lista eleitoral da FEP, como tesoureiro, convidado pela saudosa Maria Raquel Duarte Santos, então presidente. Nos mandatos seguintes continuei como tesoureiro, até 1990. Em 1991/92, já na presidência do nosso prestigioso confrade Santos Rosa, fui vice-presidente. Em 1993, numa lista decisivamente apoiada pelo prezado companheiro Arnaldo Costeira, assumi a presidência. Exerci-a por três mandatos, até final de 1998.
JDE – Como descreveria a evolução do movimento espírita, desde 1974 até hoje?
JXA – Com as possibilidades existentes, a inegável evolução positiva que existe poderia ser bem mais acentuada; não enjeito a minha quota-parte de responsabilidade nisso, quer pelas funções que exerci quer simplesmente pelo compromisso espírita que me prezo de assumir.
De muito positivo, temos no nosso País o incremento do conhecimento doutrinário, em aprofundamento individual e em cobertura territorial;
grupos e centros novos, sempre a aparecer em quase todas as regiões;
muita actividade espírita regular (estudo sistematizado, palestras, fluidoterapia, atendimento fraterno, desobsessão…), ao longo dos dias da semana, por todo o País; iniciativas muito produtivas, de periodicidade mais ampla e de maior porte:
jornadas culturais espíritas, seminários, encontros, a frutuosa tradição anual do Fórum Espírita Nacional em Leiria, congressos nacionais e internacionais;
muito mais actividade noticiosa, muita divulgação, intervenção pública contra o preconceito anti-espírita, ainda por vezes veiculado na comunicação social; nessas tarefas, cabe um grande destaque para a ADEP (Associação de Divulgadores do Espiritismo de Portugal);
novas publicações espíritas de cobertura nacional e internacional (impressas e/ou electrónicas).
De francamente negativo, a desatenção das cúpulas (na qual eu próprio incorri) à necessidade de incentivar, e mesmo descobrir, o talento de tantos militantes espíritas dotados de invulgar criatividade, aptidão, dinamismo _em áreas e graus variáveis. E não se fomentar uma cultura de participação ampla, nas decisões de interesse colectivo.
Também muito negativos, são certos factores culturais da nossa sociedade, que dificultam as iniciativas de integração e coordenação local, regional e nacional, das quais deveria resultar a desejável unificação espírita no País. Importa frisar: unificação não tem a ver com unicidade nem com hegemonia de pessoas ou grupos; mas sim com interacção sadia, mútuo robustecimento entre as instituições de cúpula e as de base, como meio de consolidar todo o movimento espírita, reforçando-lhe o poder de transformar beneficamente a Sociedade. Reiteradas exortações da espiritualidade superior insistem no ideal da unificação.
Tenho ainda como negativa, nada espírita nem cristã, a infantil presunção de grandeza do movimento espírita português, assim como o absurdo lamento de que não lhe é dada internacionalmente a importância devida. No princípio do século XX, Lenine queixava-se do que chamou as “doenças infantis” do nascente socialismo russo. E há muito mais tempo, Jesus advertia os discípulos desavindos que disputavam entre si ridículas superioridades: o maior de vós será aquele que se fizer o mais pequenino e servir a todos.
JDE – Dada a sua experiência, como comenta a afirmação de a doutrina espírita estar desactualizada?
JXA – Como uma afirmação sem sentido, sem fundamento. Acharão os seus autores que já não há Deus? ou que acabaram os espíritos, ou a reencarnação…? Que se saiba, nunca explicaram o que quer dizer aquela peregrina afirmação. Acresce que ainda estamos longe de sentir e vivenciar em pleno os altos valores morais e intelectuais do Espiritismo, quanto mais de os termos ultrapassado!
JDE – Entre os pontos estruturais do Espiritismo, qual deles lhe fala mais ao coração?
JXA – É usual indicarem-se cinco pontos estruturais da doutrina espírita: existência de Deus, imortalidade da alma, sua comunicabilidade com o mundo material, sua pluralidade de existências na matéria e a pluralidade dos mundos habitados. A existência de Deus constitui não só o tema do primeiro quesito mas também o de todo o capítulo inicial de O Livro dos Espíritos, e ainda o fundamento e razão de ser de todo o conteúdo da obra. Deus é a causa primária de tudo que existe ou possa existir, infinita perfeição em qualquer dos seus múltiplos aspectos: Vida, Verdade, Amor… O conceito de Deus, aprofundado através do Espiritismo ou de qualquer outra perspectiva, conforta, ilumina, fortalece e, francamente: empolga.
JDE – No futuro da Humanidade, a ciência encontrar-se-á com a doutrina espírita?
JXA – Sim, sem dúvida. Alguns cientistas têm aprofundado estudos anátomo-fisiológicos (por exemplo, da glândula epífise) que corroboram postulados da doutrina espírita. A própria codificação desta, no século XIX, resultou da pesquisa exaustiva que um académico notabilíssimo, Allan Kardec, efectuou com metodologia científica. Tratando-se de factos que a ciência académica não conseguia explicar nem podia negar, esta viu-se forçada a rever o seu paradigma newtoniano, materialista, utilíssimo até aí, mas onde agora não cabia a possibilidade e realidade daqueles factos indesmentíveis. Perante o desafio espírita, o trabalho honesto de cientistas de muitos países fez surgir disciplinas como a Metapsiquica, de Charles Richet; a Parapsicologia, de Joseph Rhine; a Psicotrónica, nas antigas URSS e Checoslováquia; a Paranormologia, do padre Andrea Resch, no Instituto de Latrão (Vaticano). O rigor e fidelidade desses estudos obrigou as academias a reconhecer-lhes o carácter de ciência.
Além do mais, o próprio Espiritismo constitui, em si, uma ciência das leis da Vida e do Universo, baseada em factos observados e repetíveis. Não tem lugar para crenças, superstição ou artigos de fé intocáveis. Dinâmico e actual, caminha com a ciência, pronto a abdicar de qualquer ponto doutrinário seu, que ela prove ser errado.
JDE – Na sua perspectiva, como se explica que uma doutrina tão baseada no raciocínio e nos factos, tarde a ser abraçada por um maior número de pessoas?
JXA – Essa atitude perante o Espiritismo caracteriza quase sempre o que é inovação ou descoberta, ou se tenha por incómodo a interesses constituídos. Por exemplo, Luís Pasteur foi ridicularizado e vexado pelos seus contemporâneos (incluindo cientistas), ao estabelecer os princípios da vacina anti-rábica. O mesmo aconteceu a Charles Darwin, quando publicou “A Origem das Espécies pela Selecção Natural”, em 1859; longas décadas se escoaram até que o princípio da evolução biológica se tornasse um ponto pacífico, ainda hoje se lhe opondo alguns meios religiosos.
E pur si muove… já lamentava Galileu Galilei, em prudente surdina.
JDE – O que podem fazer os espíritas em favor da doutrina?
JXA - Aprofundar o conhecimento e vivência dos seus altos valores intelectuais e morais. Num desabafo, Kardec afirmava que os maiores inimigos do Espiritismo se encontram no seu seio. Nada mais acertado. Porém, não nos compete brandir essa frase em tom acusatório contra outrem, mas sim usá-la para vigiar-se cada um a si próprio. Se, enquanto espírita, eu ferir gravemente o magno princípio da caridade, ou der algum péssimo exemplo, actuo sem dúvida como inimigo do Espiritismo no interior deste.
Acho ainda um bom serviço ao Espiritismo abstermo-nos de lhe apor acessórios: Espiritismo laico, religioso, cientificista, de mesa branca, de isto, de aquilo. Espiritismo é ele próprio, e nada mais: uma ciência que estuda o ESPÍRITO, sua origem, natureza, relação com o mundo corpóreo. Estuda, está sempre a aprender, não decreta dogmas estáticos (nem extáticos…). Estuda, com um paradigma lógico do ESPÌRITO, e por isso tem na sua tripla vertente (ciência-filosofia-moral) um alcance que lhe faltaria com o nosso habitual paradigma lógico: sensorial, cerebral, material e materialista, limitado. Einstein afirmava que a descoberta científica não resulta de uma elaboração lógica, mas de um rasgo de iluminação; só depois a razão lógica o vai testar experimentalmente.
Penso que os espíritas sim, eles é que têm direito à liberdade da diferença, consoante a sua formação, sensibilidade, vocação…, o que não faz uns mais espíritas nem menos espíritas do que outros. Com esse direito cabe-lhes, muito mais do que tolerarem-se, o dever de se compreenderem, respeitarem, amarem. E cooperarem! “Fora da caridade não há salvação” é o grande lema do Espiritismo que nos vincula a todos, com todas as nossas diferenças, necessárias e inevitáveis.
JDE – Dos conteúdos doutrinários do Espiritismo, o que fica mais relevante para quem se interessa por eles?
JXA – Julgo que o seu eminente carácter educativo, nos planos individual e social.
JDE – Uma mensagem para os nossos leitores?
JXA – Para todos nós, a singela mensagem (que relutamos em assimilar) do modelo e guia da Humanidade, Educador incomparável: AMEMO-NOS UNS AOS OUTROS.
(Texto da entrevista publicada no nº 32 de JORNAL DE ESPIRITISMO,
Janeiro/Fevereiro 2009, Braga, Portugal)

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